A arte de marinheiro consiste em saber aparelhar um navio a preceito. No tempo da navegação à vela, saber esta arte equivalia possuir um diploma de instrução profissional. Ao contrário dos dias de hoje não havia marinheiro que não soubesse todos os segredos sobre cabos e nós. A bordo de uma embarcação só existem duas cordas: a do badalo do sino de bordo e a corda do cronómetro. O resto são cabos, qualquer que seja a bitola ou o material de que são feitos.
Basicamente existem 3 tipos de cabos. Os de fibras vegetais (linho, pita, cairo, cânhamo, sisal, algodão, manila) designando-se por enxárcia branca ou alcatroada, os compostos por fios metálicos (arame zincado ou aço inoxidável) e os de fibras sintéticas (nylon, perlon, dacron, kevlar, spectron, etc) mais usados na marinha de recreio. Os de fibras vegetais não são tão fortes como os de fibras sintéticas e decompõem-se quando molhados. As fibras sintéticas por sua vez deterioram-se com os raios ultra-violetas do sol, mas a sua variedade e resistência faz com que sejam as mais preferidas na marinha de recreio. Os cabos em aço, por não serem tão flexíveis, não são usados senão no aparelho fixo.
O aparecimento de nós iguais em partes diferentes do globo leva-nos a concluir que alguns deles foram descobertos isoladamente. Julga-se que já eram usados na pré-história pelos homens das cavernas. O nó mais antigo que se conhece foi descoberto em 1923 numa turfeira na Finlândia e cientificamente datado de 7.200 AC. Também se sabe que os antigos Gregos, Egípcios e Romanos usavam nós com alguma complexidade nas construções de edifícios, pontes e fortificações pelo que não é lícito julgar que apenas os marinheiros são detentores desta arte. No que respeita ao seu uso na marinha existem registos escritos pelo menos desde o séc.XVII, mas desenhos e figuras mostram que o seu uso é muito anterior a este período.
Nós, voltas, falcaças, mãos, costuras, botões, pontos, pinhas, gachetas e cochins, são trabalhos da arte de marinheiro. Os nós são usados quando se pretende unir um cabo a outro, ligar os chicotes do mesmo cabo ou fixar um cabo a qualquer objecto (ex: cabeço, cunho, etc.). Nem sempre se aprendem pelos livros: fazem-se, desfazem-se e tornam a fazer-se sempre que seja possível. A maioria destes trabalhos não tem actualmente utilização prática sendo usados hoje em dia com fins decorativos. Outros porém continuam a ser essenciais em qualquer manobra onde se usam cabos, e por isso tão actuais como sempre o foram.
Um bom exercício consiste em fazê-los com as mão atrás das costas ou de olhos fechados.
- Nós (Simples, Oito, Frade, Direito, Ladrão, Escota, Pescador, Lais de Guia)
- Voltas (Fiel, Anete, Redonda, Cunho)
- Outros (Alça, Falcaças, Pinha)
Nós
Os nós usam-se para unir dois cabos, dois chicotes do mesmo cabo ou prender um cabo a um objecto. Aqui estão apenas aqueles mais usados na marinharia, mas existem muitos outros nos livros da especialidade.
Laçada ou Nó Simples
Nó simples. Serve para impedir que um cabo corra num olhal ou gorne.
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Faz-se primeiro uma meia-volta e passa-se o chicote por dentro da dita |
Nó de Oito ou Trempe
Com a mesma função do nó simples, mas com mais uma laçada, sendo de mais confiança.
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Primeiro uma meia-volta e o chicote por baixo do seio ... | ... depois por dentro da meia-volta pelo lado inverso da passagem pelo seio |
Nó de Frade
Também serve para impedir um cabo de correr ou para rematar o chicote de um cabo.
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Meia volta e ... | ... passa-se o chicote duas ou três vezes pela meia-volta ... | ... puxar o chicote e fechar a laçada |
Lais de Guia pelo chicote
Usado para encapelar num cabeço e de utilização genérica. É dos nós mais usados e seguros.
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Primeiro uma meia-volta, o chicote pela dita ... | ... depois por baixo do seio ... | ... e finalmente de novo pela meia-volta |
Nó Direito
É usado para unir dois cabos de igual material e bitola.
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Passa-se o chicote de um cabo por dentro da meia-volta do outro pelo lado oposto ao chicote deste ... | Os chicotes ficam do mesmo lado! | ... depois por fora da volta e de novo o chicote por dentro. |
Nó de Ladrão
É uma variante do Nó Direito mas tem tendência para correr e por isso não é usado.
Diz-se que os marinheiros usavam para amarrar os seus sacos com este nó, pois instintivamente um ladrão faz um nó direito, e assim sabiam quando o saco era remexido.
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Passa-se o chicote de um cabo por dentro da meia-volta do outro pelo lado do chicote deste ... | Os chicotes ficam do lado oposto! | ... depois por fora da volta e de novo o chicote por dentro. |
Nó de Escota ou Singelo
Usa-se para unir dois cabos de bitola diferente ou para fixar um cabo a um olhal. Não aperta quando molhado.
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Passa-se o chicote de um cabo por dentro da meia-volta do outro e depois por fora da volta. | O chicote volta passando sob próprio cabo e fora da meia-volta. |
Nó de Escota pronto a disparar
Com o mesmo fim do Nó de Escota ou Singelo, mas mais fácil de desarmar.
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Passa-se o chicote de um cabo por dentro da meia-volta do outro e de novo por fora da volta ... | ... depois dobra-se o chicote e passa-se a dobra pelo próprio cabo. |
Nó de Escota Dobrado
Idêntico ao Nó de Escota ou Singelo, mas de maior confiança.
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Passa-se o chicote de um cabo por dentro da meia-volta do outro e de novo por fora da volta ... | ... faz uma meia volta em torno do outro ... | ... e finalmente o chicote sob o próprio e fora da meia-volta do outro. |
Nó de Pescador
Usado para emendar dois cabos.
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Um passa dentro da laçada do outro ... | ... e faz uma laçada em torno daquele ... | ... puxam-se ambas as laçadas até se unirem. |
Voltas
Usam-se as voltas para ligar um cabo a um mastro ou uma antena ou uma âncora.
Volta de Fiel
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Volta de Anete
Usada para ligar o chicote de um cabo ao anete de uma âncora ou duma bóia.
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Volta Redonda e Cote
Para amarrar um cabo a um objecto rapidamente.
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Volta de Cunho
Usada para amarar o chicote de um cabo um cunho.
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Passa-se o chicote por baixo de um dos braços do cunho... | ... continuando agora por cima do braço oposto para voltar a passar por baixo do mesmo. | Passe-se agora novamente por baixo do cunho como da primeira vez. | ||
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... e faz-se uma meia-volta de modo a que o chicote fique por cima do cabo. Essa meia volta é levada de modo ... | ... a que o seio passe pelo braço do cunho como mostra a figura. Fica assim o chicote rematado paralelamente ao cabo. |
Outros
Alça, Pinha, Falcaças e outros
Além de nós e voltas, existem muitos outros trabalhos com cabos. Uma falcaça serve para rematar um chicote de um cabo e a pinha, além dos comuns porta-chaves, é usada como arremesso na ponta de um cabo. As alças usam-se muito em cabos de amarração.
Alça
Para rematar um chicote com ou sem sapatilho. Usa-se com frequência nos cabos de amarração.
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Mede-se a quantidade de chicote a descochar. | Um dos cordões passa sob um outro, aberto com uma espicha no ponto previamente medido. | O próximo cordão do chicote segue o exemplo, mas sob o cordão seguinte do cabo. | Vão-se abrindo os próximos cordões na direcção do entrelaçado do cabo ... | |||
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... e passando ordenadamente os cordões do chicote ajustando sempre. | Ao fim de duas ou três passagens de cada cordão no entrelaçado do cabo ... | ... corta-se o excesso dos cordões. |
Pinha de retenida
Usado na ponta de um chicote para permitir lançar um cabo a maior distância.
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Iniciar com um grupo de 3 voltas ... | ... passar o chicote por dentro destas voltas ... | ... e fazer outras 3 à volta daquelas, mas na perpendicular relativamente às primeiras. | Pode colocar-se ou não um esfera em madeira dentro da bola acabada de formar. O chicote passa agora novamente por dentro das primeiras voltas ... | |||
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... mas enrola sobre o segundo grupo, sempre por dentro das primeiras voltas. | Ao fim de outras 3 voltas vamos rematar puxando agora no sentido contrário o chicote que ficou de fora para escondê-lo. | Vai-se ajeitando todas as voltas do cabo que ficaram lassas, agora no sentido inverso, até a pinha ficar consistente. |
Falcaça
Para terminar chicote de modo a que não se descoche.
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Dobra-se um fio que se usa para passar paralelamente à zona do chicote que se pretende rematar, ficando a volta no extremo do chicote. | Enrola-se uma ponta do fio sobre ele mesmo e o chicote, bem justo. | A ponta do fio passa agora dentro da volta ... | ||
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... e puxa-se a outra ponta de modo a que a volta se feche por debaixo do fio enrolado levando consigo a ponta. | Finalmente, e só para rematar, corta-se a ponta que se usou para puxar. |
Falcaça à Inglesa
Para terminar chicote de modo a que não se descoche.
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Passam-se os três cordões pelas meias voltas dos mesmos do modo como indica a figura. | Puxam-se os cordões para ajustar. | Forma-se no chicote o que se designa por Cú de Porco. | ||
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No cabo solta-se com uma espicha um cordão para que a ponta de outro cordão passe por dentro. | O próximo cordão passa sob outro e assim sucessivamente, de modo que fiquem entrelaçandos, ... | ... até que não seja possível continuar. |
Glossário
- Abotoar - Amarrar ou ligar fortemente dois objectos com botões.
- Alar - Puxar cabos.
- Alça - aselha feita no chicote ou num seio de um cabo para receber um trambelho ou passar outro cabo.
- Bitola - diametro de um cabo.
- Chicote - extremidade de um cabo.
- Cochim - entrelaçado de cabos com diversas aplicações a bordo, como defensas, capachos, etc.
- Costura - trabalho feito nos chicotes de dois cabos para os unir definitivamente ou num cabo apenas para fazer uma mãozinha.
- Cote - volta que se dá como a laçada, mas, depois em vez de o chicote ficar na posição que permite apertá-lo, se puxa por ele na direção do vivo do cabo, ficando assim mordido.
- Descochar - separar os cordões de um cabo para o desfazer.
- Embotijar - Cobrir completamente um cabo com um entraçado de fio ou merlim.
- Emendar - Acrescentar cabo.
- Esganar - Dar voltas em cruz, comprimindo ouitras já dadas em botão, cosedura, etc.
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Espicha - instrumento para trabalhar cabos. Usa-se para alargar os cordões.
- Falcaça - trabalho feito nos chicotes dos cabos para não descocharem.
- Forrar - Cobrir completamente um cabo com uma camada de voltas redondas de fio ou merlim.
- Gacheta - Entrelaçado de cabo, com vários aspectos usado em trabalhos de adorno.
- Gornir - Enfiar o cabo pelo gorne (abertura).
- Mão ou Mãozinha - espécie de alça num chicote.
- Meia Volta - cabo que circunda uma única vez.
- Morder - Entalar ou apertar o cabo para impedir que corra.
- Nó - entrelaçamento de cabos, quer para os unir, quer para os ligar a um objecto.
- Pinha - espécie de cabeça de cordões entrelaçados geralmente nos chicotes.
- Recorrer - Deixar correr as voltas dadas sem as desfazer, folgando-as ou aliviando-as.
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Sapatilho - aro em meia-cana de forma oval para reforço das alças.
- Seio - a parte de um cabo que fica entre os chicotes.
- Socar - Apertar com força e bem, um nó ou uma volta.
- Urdir - Construir uma pinha.