Jantavámos perto de Cascais no dia do solstício de Verão de 1993. Era uma tradição familiar reunirmo-nos nesse dia, como que para festejar a chegada do Verão. No meio da conversa surgiu a pergunta sobre o nome do restaurante onde nos encontrávamos, que era precisamente Raio Verde. Porquê esse nome? Que raio de ideia teria o dono quando o baptizou assim?
Depois de especularmos um pouco, meu pai, sempre pronto para pequenas partidas, disse que provavelmente seria por causa do famoso Raio Verde, um fenómeno raro que se dava ao pôr-do-sol. A localização do restaurante, directamente para o ocaso, de certeza que teria algo a haver com esse raio.
Eu nunca tinha ouvido falar deste raio, verde ou de outra qualquer cor. Restou então esperar pelo pôr-do-sol. Mas nesse dia uma pequena neblina no horizonte não nos deixou admirar o ansiado fenómeno. Claro que pensei que tinha sido mais uma do meu pai e, juntamente com os meus irmãos, continuámos a gozar com a "velha sabedoria". Pois, claro, evidentemente, e após o verde vem um cor-de-rosa, e outro azul às pintinhas...
Mas quem se ria desta vez era mesmo ele. Não pela partida mas pela nossa ignorância. A insistência com que o meu pai argumentava ao jantar levou-me a procurar, já em casa, numa enciclopédia.
Querem ver que ele tem razão? - pensei. E tinha mesmo.
em busca do raio verde ...
O Raio Verde, popularizado pelo romance de Júlio Verne com o mesmo nome, não é fácil de observar.
É um raro fenómeno meteorológico que se dá ao nascer ou ao pôr-do-sol, em condições muito particulares de tempo. É mais frequente no mar e só pode ser observado se o horizonte estiver absolutamente visível, isto é sem qualquer neblina. Com determinados valores de temperatura e humidade relativa há boas probabilidades de se dar.
Quando o sol, lua, ou mesmo um planeta está próximo do horizonte, na altura desaparecer (ou aparecer), os raios luminosos apresentam-se de tal maneira que no ocaso os raios vermelhos, alaranjados e amarelos desaparecem antes do verde, azul e violeta. É num momento fugaz, numa pequena fracção de tempo, quando o limbo superior toca no horizonte, que se dá o raio verde. Por causa da menor sensibilidade dos olhos às cores azul e violeta e também da sua menor intensidade a impressão dominante é a cor verde.
Admite-se que este fenómeno se deva à refracção astronómica e à disperção prismática do espectro luminoso. A maior parte das observações parece confirmar a teoria que atribui a este fenómeno a uma forte refracção, uma vez que a sua ocorrência se verifica quando o poder de refrangência da atmosfera é anormalmente elevado à superfície do Globo.
Em 1936, um jovem de 16 anos, João Manuel, entrevistado para o "A Voz da Justiça" (Figueira da Foz 9/3/1936), relatava assim a dura vida no mar durante as campanhas do bacalhau:
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O frio, às vezes, é de rachar, e a gente esfrega as mãos e a cara com pedaços de gelo, para não sentir tanto o frio, cortante como navalhas.
O mar, às vezes, parece que quer engolir o navio: -diante de nós não se vêem senão montanhas de água que varrem o convés de proa a popa. Tudo ali obedece ao capitão, que é senhor absoluto de todos nós; também se não fosse assim, estávamos arranjadinhos da nossa vida.
Mas, palavra, gosto daquilo! Vêem-se coisas lindíssimas: uma vez vi o raio verde, em que toda a gente por aí fala mas que ninguém sabe o que é...
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Também o navegador solitário brasileiro Amir Klink, relata no seu livro "PARATII entre dois Pólos" este fenómeno. Um acontecimento único e muito particular para qualquer navegador:
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Desde criança eu sempre carreguei um desejo meio difícil de realizar, sobretudo no Brasil que tem a costa voltada para o nascente. Sempre que era possível, eu perseguia o pôr-do-sol no mar. Atento, até a bola de luz amarelo avermelhada ir se fundindo no horizonte, à procura de fenômeno muito raro, que quase todos os povos navegadores do passado já mencionaram: o "green flash" ou "rayon vert". Um raio, ou explosão de luz que acontece em condições muito especiais, no exacto instante em que a última lasca do sol desaparece no horizonte.
Com um rápido curativo na ponta do dedo, calcei com cuidado um tênis e corri para o enorme arco que havia atrás do Paratii, onde ficava a antena do radar e um pequeno posto que usava para observar o mar ou fazer astronomia encaixado no alto. Cumpria o mesmo ritual de sempre, meio sem esperança de um dia ver qualquer coisa - "dezanove horas, cinqüenta e cinco minutos e trinta segundos... quarenta segundos... cinqüenta... lá se vai o sol... ade...". E escapou um grito de súbito: "Eu vi! Eu vi! Eu vi! Miserável, eu vi!" Tanto tempo e, enfim, eu vi o raio verde. Uma fração de segundo que valeu toda a viagem.
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Se até aquele jantar ainda não tinha ouvido nada sobre o raio verde, a partir daquele momento uma nova curiosidade tomou posse de mim. Não passou um pôr-do-sol em que o meu olhar não seguisse o ocaso na esperança de reter o Raio Verde. E isso aconteceu.
Foi a 6 de Abril de 2000 na travessia de Lisboa ao Rio de Janeiro durante a viagem comemorativa Brasil500. Acabávamos de chegar a Fernando de Noronha e o sol punha-se vagarosamente no horizonte. A atmosfera e o ambiente alaranjado convidavam a tirar fotos. Com a tele-objectiva montada espreitava e disparava algumas fotos, quando, no momento em que o sol se preparava para desaparecer definitivamente, um pequeno flash verde foi o suficiente para sentir uma pequena vitória.
Infelizmente não tive sorte com a foto!
"À beira-mar, quando o sol cai no poente(como um gladiador ensanguentadoque tomba envolto no reflexo ardentede um velário de púrpura e brocado)emite um raio verde, - adeus alado,lucilação final de um fogo ingente.Sombras depois... E enfim, no céu magoadoabre seu pálio a Noite, lentamente...Este livrinho - em pôr-do-sol tristonho,sem o doirado rosicler da Esp'rançanem a bruma eucarística do Sonho -e o RAIO VERDE que o meu estro lança- pequenina esmeralda que eu deponhonas pequeninas mãos de uma criança..."