O lugre Creoula foi um dos primeiros navios construídos pelos Estaleiros Navais de Lisboa (CUF), tendo a sua construção sido efectuada em tempo "record" (62 dias úteis). Lançado à água em Margo de 1937, viria a ser entregue ao armador, Parceria Geral de Pescarias, em 12 de Maio seguinte, realizando até 1973, 37 campanhas de pesca do bacalhau na Terra Nova.
Este navio foi construído em aço de superior qualidade, sendo a sua construção reforçada, no que diz respeito a obras vivas parte de vante, atendendo à navegação em mares gelados. Tinha duas anteparas estanques, uma a vante e outra a ré do porão do peixe, as quais dividiam o navio em três grandes secções:
- a vante alojamento de pescadores, paiol de mantimentos e câmaras frigoríficas para isco;
- a meio porão para peixe salgado;
- a ré alojamento de oficiais, casa da máquina, bancas de combustível, paiol do pano e aprestos de pesca.
Tinha ainda nos delgados de vante de ré vários piques, utilizados como reserva de aguada, armazenamento de óleo de fígado, carvão de pedra e óleos lubrificantes. Nos duplos-fundos correspondentes ao porão de peixe fazia-se a aguada do navio.
Todo o interior do navio era revestido a madeira de boa qualidade, e o porão calafetado para evitar o contacto da moura com o ferro. O seu casco, pintado de branco, permitia uma melhor percepção no nevoeiro, facilitando assim uma melhor orientação dos pescadores a bordo dos dóris.
O Creoula rumo à Terra Nova
O Creoula era um lugre de quatro mastros, sendo os reais em aço e os mastaréus e gurupés em madeira (oregon pine). Todo o aparelho fixo era em cabo de aço e o de laborar em manila.
Utilizava duas andainas de pano feitas pelos marinheiros de bordo em lona de algodão nr.2 e nr.4, com tralhas em cabo de manila. Cada andaina era composta por: giba, bujarrona, polaca, traquete, contra-traquete, grande e mezena, mais três estênsulas como gavetopes de entremastros, e um pendão redondo de içar no mastro do traquete. Além deste pano havia dois triângulos de tempo para envergar no mastro da mezena.
Numa viagem de pesca normal , o Creoula navegava com 54 pescadores, 10 moços de convés, 2 cozinheiros, 3 oficiais de máquinas, 2 oficiais de ponte e capitão. Nos 54 pescadores estavam incluídos 9 marinheiros e um contramestre que acumulavam as suas funções com as da pesca.
O facto de este navio ser gémeo do Argus e do Santa Maria Manuela permitia a permuta de sobressalentes durante a campanha.
Este navio largava de Lisboa em fins de Março e seguia para os Bancos da Terra Nova, Nova Escócia e St.Pierre et Miquelon onde pescava, se as condições o permitissem, até fins de Maio. Dirigia-se então à Nova Escócia (North Sidney) ou à Terra Nova (St.John's), onde reabastecia de isco fresco, mantimentos, combustível e aguada, seguindo para a Gronelândia, onde chegava em meados de Junho, recomeçando a pesca no estreito de Davis (costa oeste) da Gronelândia, até aos 68º de latitude Norte. Se não terminasse o carregamento até principios de Setembro, data tradicionalmente estabelecida como limite para a pesca com dóris nestas paragens, regressava aos Bancos da Terra Nova, onde voltaria a tentar a sua sorte até meados de Outubro.
Capitão Francisco Marques
o último comandante do Creoula como bacalhoeiro
Regressava então a Portugal (Lisboa), onde tinha a sua base nas instalações dos seus armadores (no Rio Coina, Barreiro). Durante o Inverno o navio era anualmente desmastreado, sendo revisto todo o seu aparelho fixo e de laborar, bem como as duas andainas de pano.
Num ano de boa pesca o Creoula podia carregar 12.200 quintais de peixe verde (salgado), correspondendo a cerca de 800 ton., bem como cerca de 60 ton. e de óleo de figado.
Este navio navegava normalmente a motor e à vela, pois era este o sistema que lhe proporcionava melhor velocidade e qualidades de manobra. Em mau tempo fazia boa capa utilizando o triângulo de tempo e a vela grande, se necessário rizada. Em boas condições de tempo alcançava facilmente os 12/13 nós de velocidade, cumprindo a distância da Terra Nova a Lisboa em cerca de 9/10 dias.
Ainda na década de 70 o Creoula ainda partia para o Atlântico Norte de velas içadas. Merecem aqui destaque os tripulantes desta derradeira frota de veleiros, os últimos verdadeiros marinheiros de navegação oceânica à vela.
Em 1976, a Secretaria de Estado das Pescas, com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura, decidiu adquiri-lo, o que viria a ter lugar em 1980, para a instalação de um museu. Uma vez constatado o seu ainda bom estado, foi decidido recuperar o Creoula e transformá-lo em navio de treino de mar, para o que foi necessário transformar o porão de peixe em coberta para 60 instruendos, ampliar a enfermaria e a capacidade de aguada, instalar um refeitório, aumentar as instalações sanitárias, alterar o lastro e substituir a madeira por aço nos mastros.
Em 1 de Junho de 1987 e de acordo com um despacho, o Creoula foi formalmente entregue ao Ministério da Defesa Nacional, passando a ser designado como Unidade Auxiliar de Marinha (UAM 201) e classificado como "navio de treino de mar".
Características
Comprimento fora a fora: 67,365 m.
Comprimento entre perpendiculares: 52,765 m.
Boca: 9,9 m.
Pontal: 5,94 m.
Deslocamento leve: 818 ton.
Deslocamento máximo: 1055 ton.
Calado: 4,15 m.
Aguada: 120 ton.
Combustível: 60 ton.
Motor: Diesel 6 cilindros de 480 BHP